domingo, 12 de julho de 2009

REVISITANDO A HISTÓRIA DO ENSINO DE LÍNGUA MATERNA


PEREIRA, Jair Joaquim. Tubarão: Unisul, 2007.


Nas últimas décadas, vem se observando um movimento de pensamento que procura se libertar do ensino normativo inicial, com a contribuição de pensadores contemporâneos e com o surgimento de novos campos do saber ou de novos espaços teóricos. Mais notadamente a partir de 1980, lingüistas vêm pesquisando sobre a Língua Portuguesa e denunciando o ensino centrado na transmissão da teoria gramatical e memorização de regras da norma padrão.
A Língua Portuguesa, de acordo com dados históricos, passou a integrar o currículo das escolas brasileiras ainda no século XIX: inicialmente, limitava-se aos estudos das disciplinas Retórica e Poética, esta abrangendo a Literatura. A partir do ano de 1838, o principal objeto de estudo é a Gramática Nacional. Através de um decreto imperial, em 1871, cria-se o cargo “professor de português”. Nesse contexto, o ensino ministrado nas escolas tem pouca qualidade: buscavam-se, principalmente, a continuidade do processo de catequização e a manutenção do controle dos colonos. No entanto, é necessário ressaltar que essa modalidade de pedagogia baseada, exclusivamente, na reprodução mecanicista estendia-se, também, às demais disciplinas que compunham o currículo.
Soares (2002) reconhece que a aprendizagem se limitava à memorização de normas e regras da língua padrão, um processo de ensino que se organizava em torno de textos literários, a fim de permitir o estudo da retórica e da poética.
O ensino da língua materna manteve-se nessa linha até os anos 40 do século XX. Esse quadro puramente reprodutor, no qual se estruturava todo o processo de ensino-aprendizagem, será modificado com o surgimento de fatos históricos que vão indicar a emergência de novos princípios teóricos. Uma das principais modificações aconteceu com a inclusão, na escola, também, dos filhos dos trabalhadores: é a época conhecida como democratização da escola.
Com o regime militar nas décadas de 60 e 70, no século XX, surge uma nova concepção de escola, voltada para a democratização do ensino. Tradicionalmente, a disciplina que se denominou Português passa a receber outras denominações: nos primeiros anos escolares, Comunicação e Expressão; já nos anos finais do primeiro grau, Comunicação em Língua Portuguesa. Apenas no segundo grau recebe a denominação Língua Portuguesa e Literatura Brasileira.
Basicamente, essa alteração fundamenta-se nos princípios que dão suporte à teoria da comunicação. Nesta nova perspectiva, o ensino assume um caráter pragmático e utilitarista: a língua passa a ser estudada como ferramenta de comunicação. Já o aluno é visto como um emissor-receptor de códigos os mais diversos, e não somente do verbal. Para Soares (2002), é nesse estágio que aparece, pela primeira vez, a discussão quanto ao ensino ou não das regras gramaticais. Da mesma forma, ocorre uma transformação do trabalho realizado a partir da leitura que passa a envolver, além do texto verbal, o não-verbal. Além disso, abre-se espaço na escola à introdução de outros textos, escolhidos não somente por meio de critérios literários, mas de acordo com a sua constância nas relações sociais.
Ainda nesse mesmo período, o debate em torno do ensino no país consistia em tornar evidente que, em se tratando das classes menos favorecidas, o ensino representava mais exclusão que integração à sociedade, propriamente. Tinha-se uma escola a serviço da reprodução e manutenção dos valores das classes dominantes. Assim, o aluno desprestigiado socialmente sentia-se num nível insuficiente de letramento, para acompanhar os conceitos exigidos pela escola e, com isso, a evasão se tornou uma prática freqüente entre esses alunos. Quando não se evadiam dessa escola pensada para alguns privilegiados, calavam-se por meio da discriminação de seu dialeto, distante da norma culta e, então, considerado errado pela escola.
Soares (2002) afirma que, nestas décadas, o propósito do trabalho pedagógico realizado a partir da Língua Portuguesa era tentar encurtar a gritante distância entre essas duas realidades: de um lado, a realidade homogeneizante da escola, discriminadora do certo e do errado; do outro, a heterogeneidade de uma realidade social em que apenas uma minoria tinha acesso aos bens culturais valorizados. Então, o que se pretende é coibir essas contradições do ensino, geradas pela função que a escola vinha desempenhando, que era assegurar a manutenção da desigualdade social. A lingüística insere-se nessa discussão com um duplo objetivo: responder à discriminação que apresenta o ensino tradicional e, ao mesmo tempo, mostrar que não é permissiva, que o seu objetivo é levar o ensino da norma a todos. A década de 80 surge trazendo o professor como a figura central de suas preocupações. As mudanças possíveis para um ensino que garantisse às classes trabalhadoras perspectivas reais de valorização social dependiam, necessariamente, da ação do professor em sala de aula.

A melhoria do ensino passava, obrigatoriamente, pela conscientização do professor quanto a sua prática pedagógica. (PIETRI, 2005, p. 39-40)
A concepção sociointeracionista, que busca contextualizar o ensino da língua materna dentro de um espaço histórico e cultural específico para cada situação, é a principal responsável pelo caráter transformador atribuído à escola nas propostas de ensino produzidas na década de 80. Com o aparecimento, em sala de aula, de certas teorias lingüísticas, como a Análise do Discurso, especificamente, no tocante ao ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa, esses novos parâmetros acabaram por introduzir o texto como objeto de ensino. No Brasil, o sociointeracionismo passou a ser o eixo norteador do ensino/aprendizagem de Língua Materna. Nesta concepção, o texto não é um produto pronto e acabado, mas o lugar da interação, onde os interlocutores são sujeitos ativos.
Nessas novas propostas, não há mais a concepção de linguagem como expressão de pensamento que guiava os estudos tradicionais com base no ensino da gramática, ou a visão da linguagem apenas como instrumento de comunicação: as novas propostas vêem a linguagem como uma forma de ação, um lugar de interação humana. “O sujeito se constitui como tal à medida que interage com os outros.” (GERALDI, 1996, p. 19).
Posteriormente, em meados da década de 90, em versão preliminar, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) defendem o ensino de Língua Portuguesa como meio de instrumentalizar para o domínio pleno e efetivo do uso da linguagem oral e da linguagem escrita, buscando romper com a ideologia fortemente tradicional que impregnara o ensino de língua materna. Uma nova concepção de língua e linguagem se instaura, não mais a língua como expressão o pensamento nem como instrumento de comunicação, mais a língua como meio de interação entre sujeitos que, por meio da linguagem, produzem sentidos, emitem opiniões, discordam, concordam, enfim, dialogam por meio da língua.
Enfim, este é um sujeito constitutivamente heterogêneo, de uma incompletude fundante que mobiliza o desejo de completude, aproximando-o do outro, também incompletude por definição, com esperança de encontrar a fonte restauradora da totalidade nunca alcançada, construindo-se nas relações sociais, entendidas estas como espaço de imposições, confrontos, desejos, paixões, retornos, imaginação e construções. (GERALDI, 1996, p. 20)
Nas discussões curriculares sobre o ensino de Língua Portuguesa, os Parâmetros Curriculares Nacionais também fundamentaram a proposta para a disciplina de Língua Portuguesa nas concepções interacionistas ou discursivas, propondo uma reflexão acerca dos usos da linguagem oral e escrita.
Ainda hoje, apesar de muito discutido no meio acadêmico, o ensino de Língua Portuguesa precisa ser debatido, principalmente por todos que ainda acreditam na sua qualidade. Penso que a dificuldade encontrada pelos estudantes no aprendizado de sua própria língua se deva ao modelo de ensino (tradicional) que vigora em boa parte das escolas brasileiras.
O modo como o ensino de Língua Portuguesa é proposto na escola faz com que o aluno a aprenda como objeto compacto, uniforme e muito distante da realidade que vivencia em seu dia-a-dia. O ensino voltado exclusivamente ao estudo e à memorização de regras gramaticais mostra-se discriminatório e excludente. É nítida a carência de uma ampla discussão nas instituições que representam a Educação, para que possamos encontrar alternativas eficazes para lidar com esse imenso desafio em que se transformou o ensino de Língua Portuguesa nas escolas brasileiras. Por isso, é necessário que a escola repense a sua prática pedagógica para que todos os investimentos realizados na área da educação possam surtir resultados satisfatórios.

GERALDI, J. W., SILVA, L.L.M. & FIAD, R. S. Lingüística, ensino de língua materna e formação de professores. D.E.L.T.A., v.12, n. 2, p.307-326, 1996.
GERALDI, J. W. Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas: Mercado de Letras, 1996.
______. Concepções de linguagem e ensino de português. In: GERALDI, J. W. (Org). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997. p. 39-53.
GONÇALVES, S. R. A língua portuguesa no Ensino Fundamental a partir da avaliação discente: perspectiva de letramento em um estudo de caso. 2006. 131 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Linguagem). Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem, Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2006.
PIETRI, E. Concepções de língua e escola e propostas de ensino de língua portuguesa: discussões sobre reprodução/transformação social. Falla dos Pinhaes, UNIPINHAL/Esp. Santo do Pinhal, v. 2, p. 35-52, 2005.
SOARES, M. Português na escola: história de uma disciplina curricular. São Paulo: Loyola, 2002.

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